É incrível como um objeto (prefiro usar esse termo mesmo) pode ser pensado da forma errada e, ao final, ser completamente inviabilizado justamente por causa dessa concepção equivocada. Concluí que isso ocorre com a Justiça Restaurativa depois de assistir à mesa de debates (ver post anterior) e de conversar com a Raffa a respeito.
Gostei muito do debate, o Ibccrim tá de parabéns pela iniciativa. Claro que a fala da Raffa ficou bem melhor do que a do outro debatedor, mas devemos levar em consideração a disposição dele em discutir o tema (pois não é isso que ele estuda, e muito menos o que ele faz no Judiciário de São Paulo) e o próprio desconhecimento sobre o tema, por ele mesmo mencionado durante a sua fala.
Apesar de acreditar que será assim por um bom tempo ainda, talvez seja necessário tentar trabalhar justamente no sentido de buscar uma delimitação sobre o que não é justiça restaurativa, para depois tentar, com base nas experiências internacionais e em algumas nacionais (?), buscar uma espécie de definição aberta (apesar da contradição entre os termos) sobre o que poderia e o que não poderia ser a tal JR. Estou me apropriando de um termo da própria Raffa, que tá no livro dela, mas penso que é por aí o caminho.
Claro que isso poderá ser interpretado como um fator limitador sobre o assunto, mas às vezes é justamente isso que falta, até mesmo para podermos saber, por exemplo, se há ou não há locais em que se pratica efetivamente a JR no Brasil. Admito que ainda tenho dúvidas a respeito, especialmente em função dessa falta de clareza.
Essa situação de incerteza é plenamente compreensível e normal, ainda mais se levarmos em conta que o tema é recente e que - o que me interessa mais diretamente - a academia brasileira está dando seus primeiros passos na temática. Além, é claro, da abissal e bizarra distância que separa as academias e os Tribunais. Acho até engraçado perceber que, em algumas áreas, parece até que as academias têm medo dos Tribunais, e os Tribunais têm medo das academias. Na justiça criminal, esse fosso me parece cada vez maior, e enquanto de um lado há produção científica de qualidade, porém extremamente arrogante e "dona da razão", por outro, há uma série de "práticos" e "operadores jurídicos" que acham que a teoria não serve para nada, e que toda crítica que possa vir de um acadêmico não deve ser levada em consideração, pois "eles nunca sabem o que fazemos e, o que é mais importante, eles não têm prática nenhuma, e portanto não poderiam falar nada."
Essa postura, além de aumentar a distância, apenas reflete uma cultura de avestruz que parece estar bem arraigada por aqui: enquanto uns discutem sozinhos, outros colocam em prática aquilo que acham que é "o melhor para a sociedade" sem sequer conhecer o que vem da academia. Não me parece que um seja melhor do que o outro - longe disso - mas o simples fato de tentar romper essa barreira já poderia trazer ganhos imensos não só para o público-alvo da justiça criminal, mas também para a academia, para os Tribunais, etc.
Claro que também devemos levar em conta a burocratização do exercício de alguns cargos públicos (funcionários desmotivados, que apenas querem "cumprir com o seu dever e ir embora logo pra casa, pra poder ver a novela"), mas não vem ao caso esgotar esses assuntos, mas tão-somente tentar entender o motivo de tanta distância.
Voltando à JR, não sei se haverá uma saída a não ser continuar buscando tornar mais clara qual é a proposta e quais são os objetivos desse modelo de justiça criminal, incluindo aí mais debates, palestras e produções acadêmicas e práticas sobre o que há de mais simples no tema: "o que é JR?" Tenho esperança de que esse fosso seja reduzido nessa área.
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